Fato revelado x fato construído

Não é raro vermos cientistas de dados e advogados se apresentando como meros representantes dos fatos, que juram exercer seu labor de forma neutra e impessoal, garantindo que de seus esforços são revelados os fatos puros, que já estavam lá no mundo somente aguardando um porta-voz para revelá-los.

Essa visão é um tanto quanto complicada. Um cientista de dados é um construtor de fatos, e não um mero revelador. As verdades que serão aceitas e pactuadas pela sociedade serão consequência, e não causa de suas pesquisas. 

A ideia de o fato já existia a priori é deveras preocupante e limitadora das potencialidades do trabalho de um legal data scientist. Ao acreditar que seu trabalho é neutro e não perceber que suas escolhas impactam diretamente no que está sendo criado, o profissional estará simplesmente delegando para terceiros as escolhas que definirão o resultado de seu trabalho, sem perceber que está sendo guiado para um caminho que pode não ser o mais interessante para o seu objetivo.

Ao entender que fatos não são revelados, mas sim construídos, o legal data scientist passa a estar mais atento à sua prática cotidiana, e pode analisar as escolhas que são feitas na construção de seus dados sob a ótica de qual caminho deseja trilhar. Nenhum dado é neutro, encontrado puro na natureza. Todos tem uma história de construção onde são feitos enquadramentos que necessariamente deixam coisas de fora do cenário observado.

No desenvolvimento de inferências estatísticas e construções de teses, as citadas escolhas e vieses acabando se ocultando em pilhas de argumentos e afirmações, que acabam se “naturalizando” na construção dos fatos. Porém, essa naturalização só é possível exatamente pelo fato do “fato” estar sustentado em todos os dados enviesados que raramente são questionados e/ou compreendidos por um debatedor médio.

Quem controla e entende as escolhas feitas na construção de dados e suas implicações estará sempre muito mais preparado para defender ou atacar uma tese, apontando inconsistências, margens de erro e propondo diferentes abordagens que poderiam apontar para diferentes conclusões.

Em uma advocacia cada vez mais imersa em grandes volumes de dados e questões digitais, é imprescindível que o advogado 4.0 tenha essa capacidade argumentativa baseada em dados aprofundada, e ele somente poderá desenvolvê-la se internalizar essa dinâmica nada natural de construção de dados e fatos.